Miguel S. Milano é engenheiro Florestal, mestre e doutor em Ciências
Florestais, consultor em sustentabilidade (Foto: Arquivo Pessoa)
Estamos na Rio+20,
ainda que não na Conferência em si, que tem por data formal o período
de 19 a 22 de junho próximo. Mas, de uma forma ou outra, estamos na
Rio+20 dos muitos eventos antecedentes e paralelos que tentam de alguma
forma influenciar ideias e políticas, públicas e privadas, quanto ao
desenvolvimento social e econômico das comunidades e sociedades deste
planeta, as primeiras como células das segundas, que formam as nações,
as quais se fazem presentes no debate por meio de seus governos. Debate
que, ao que tudo indica, levará a nada ou apenas a muito pouco em termos
de perspectivas planetárias. Afinal, os documentos iniciais da ONU em
discussão, para aprovação na conferência, têm cultivado o mito do
crescimento econômico perpétuo de forma completamente acrítica, como
inúmeros intelectuais têm denunciado. Os documentos atuais, quase finais
(de hoje) não mudam o tom e a ênfase socioeconômica mantém-se em
completa dissonância com os limites físicos e biológicos do planeta,
sendo perspectiva acabada de pouca esperança para o futuro.
Com esta situação, aos poucos, a panaceia do desenvolvimento
sustentável, da sustentabilidade e do adjetivo sustentável aplicado a
tudo e qualquer coisa, entra em colapso que parece irreversível, talvez
por falência múltipla, se usarmos uma metafórica referência médica. Mas,
lamentável e preocupante ao mesmo tempo, em última instância essa
falência é das próprias civilizações que habitam este planeta, incapazes
que têm sido de se ajustar aos seus limites, antes que do planeta em
si, que sobreviverá ao saque e à predação humanos desenfreados.
Criados para orientar políticas sociais e econômicas, mormente estas
últimas, assentando de forma propositiva os rumos do desenvolvimento
econômico aos limites naturais do planeta, em especial àqueles de ordem
ecológica, e assim limitando-o, a ideia do desenvolvimento sustentável
floresceu no contexto das profícuas discussões que ocorreram entre a
Conferência das Nações Unidas de Estocolmo, em 1972, e do Rio de
Janeiro, em 1992, sendo consagrada nesta última e intensamente usada
nestes últimos 20 anos.
Na primeira destas conferências foi severamente questionado o modelo de
desenvolvimento socioeconômico até então dominante nas sociedades mais
prósperas e desenvolvidas à época, reconhecendo-se limites e impactos já
inaceitáveis e propondo-se limitações aos mesmos. Foram então muitos os
fóruns e processos de discussões, baseados na melhor ciência, que
prepararam o caminho para os acordos multilaterais que seguiram,
condicionando minimamente o desenvolvimento econômico aos limites
geológico, edáfico, climático e biológico do planeta. É notável o
sucesso de um dos frutos desse processo, o Relatório Brundtland (em
homenagem a Gro Harlem Brundtland, ex-primeira ministra da Noruega, que
presidiu a comissão da ONU que o produziu) ou “Nosso Futuro Comum”,
altamente influenciador de tudo que veio a seguir. Lá está o desenvolvimento sustentável,
definido como “aquele que atende às necessidades do presente sem
comprometer as habilidades das gerações futuras para atenderem às suas
próprias”, que passou a ser, juntamente com o termo sustentabilidade, a
panaceia mágica validada naquele contexto, como solução para todos os
problemas planetários, ainda que não sem críticas de muitos céticos
(como eu mesmo). Todavia, é necessário reconhecer que não se vislumbrava
e nem se vislumbra hoje qualquer saída para a situação sem a
incorporação da boa dose de utopia que a proposta continha, mas de forma
associada a alto grau de pragmatismo executivo com análise crítica
contínua, que sempre faltou. Mas, mais importante, é fato que a
proposição, servindo para quase tudo, como título ou adjetivo que
justificou e ainda justifica qualquer coisa, não trouxe resultados em
termos de mudanças de comportamento humano, não obstantes raras
exceções.
Na Conferência das Nações Unidas sobre meio Ambiente e Desenvolvimento,
no Rio de Janeiro, a maior reunião de chefes de Estado e governos até
então realizada, mais de uma centena de países assinaram, entre outros
acordos, duas das mais importantes convenções mundiais em tempos de paz:
as Convenções da Diversidade Biológica e das Mudanças Climáticas.
Antecederam-nas, e em boa medida as definiram ou influenciaram, uma
profusão de eventos preparatórios e, ao final, paralelos àqueles
oficiais.
A Conferência do Rio, ou simplesmente Rio 92, como também ficou
conhecida, não apenas foi a maior reunião de chefes de Estado e
governos, como também o mais expressivo processo de participação pública
na construção de normativas mundiais. Foi um novo (à época) e diferente
momento “da” e “na” governança global, quando, por meio de eventos de
todos tipos e índoles, grupos de interesse e pressão tão distintos como
comunidades indígenas remotas e de favelas urbanas, movimentos
acadêmicos originários dos grandes centros do pensamento mundial,
associações empresariais, ONGs de todo viés, orientação política e
continente, entre tantos outros quanto se possam imaginar, estiveram
presentes e se fizeram ouvir, num processo ímpar.
Agora o que temos para 2012? Nada ou quase nada como resultado do pouco
que fizemos, sendo que esse pouco não ganha relevância pública quer
pela falta de eco dos meios de comunicação ou pelo ceticismo das
sociedades, em boa medida preocupadas com as emergências sociais e
econômicas decorrentes das crises financeiras europeia e norte-americana
que engolfam a todos. Importante lembrar, também, que jogam contra
soluções e acordos planetários significativos o papel de liderança (ou
quase) jogado no processo pelos emergentes, destacadamente Brasil,
Índia, Rússia, África do Sul e China, cujas agendas desenvolvimentistas
em boa medida desconsideram os limites ecológicos do planeta a
atravancam acordos mais significativos que se fazem urgentemente
necessários, embora esta última nação dê sinais sistemáticos de que
surpreenderá a todos mais uma vez, senão nos acordos internacionais nos
seus resultados práticos. Aguardemos.
Artigo publicado na revista Época.
http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/06/os-20-anos-do-rio-de-janeiro-das-conferencias-de-1992-e-2012-parte-i-o-processo.html
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