27/04/2013
Venezuela sem Chávez e Paraguai governado pelo Partido Colorado são chance para aumento da importância brasileira no bloco
Léo Gerchmann
Duas eleições, nos dois últimos domingos, projetam uma reconfiguração do Mercosul com efeito paradoxal para o Brasil: o fracionamento do bloco e a investidura de presidentes menos carismáticos sinalizam a tendência de avanço para a liderança brasileira, só que num organismo desfigurado em seus fundamentos mercantis.
A eleição de Nicolás Maduro para a presidência da Venezuela em 14 de abril é interpretada por analistas como o advento de um chavismo enfraquecido, e a vitória de Horacio Cartes em 21 de abril no Paraguai retoma a tradição de um Partido Colorado menos protecionista e mais dócil aos interesses brasileiros.
O detalhe que coloca uma sombra nesse quadro em tese favorável ao Brasil é a transformação gradual do Mercosul em um bloco menos afeito à unificação econômica e mais propenso à instrumentalização política.
O comportamento brasileiro na relação com os dois episódios eleitorais descortina essa tendência: o país, líder natural por ser mais populoso, extenso e rico, reservou tratamentos diferentes para um Maduro que é pupilo de Hugo Chávez e tenta se afirmar e um Cartes visto como empresário rico e suspeito de irregularidades num país pobre, de população que é um quinto da venezuelana.
Itamaraty se utiliza de dois pesos e duas medidas
Como se comportou o Brasil nos dois casos? A presidente Dilma Rousseff não pestanejou ao cumprimentar Maduro pela vitória, por mais suspeitas de fraude que houvesse. Depois, ela o aconselhou a dialogar com a oposição para ter governabilidade sustentável em um país hoje dividido.
A mesma Dilma levou 24 horas depois da confirmação do resultado paraguaio para dar um telefonema de cinco minutos a Cartes e travar um diálogo protocolar.
No Paraguai, a deposição sumária do ex-presidente Fernando Lugo levou o Itamaraty a articular para que o país fosse suspenso do Mercosul. Na Venezuela, Maduro tomou posse apesar da recontagem de votos, e o Brasil ofereceu reconhecimento imediato.
A própria diplomacia brasileira, segundo apurou Zero Hora, sabe que o ideal para o Brasil, a partir de agora, é adotar atuação pragmática e tomar distância dos problemas internos alheios.
Mais: para retomar a liderança, terá de resolver seus próprios problemas. O economista Franklin Serrano, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sustenta que o país precisa demonstrar pujança.
— Não há coisa pior na integração regional do que o Brasil com um crescimento econômico baixo. O Brasil precisa assumir a condição de locomotiva da região. Se não, cada país buscará sua locomotiva — diz ele.
Outro empecilho para o avanço da liderança brasileira e para a própria evolução do Mercosul, segundo os analistas, é a relação com a Argentina. Nas últimas quinta e sexta-feira, Dilma esteve em Buenos Aires e se encontrou com a colega Cristina Kirchner. Na pauta, mais concessões para o vizinho ultrapassar uma turbulência econômica.
Por esse tipo de situação, os críticos dizem que o Mercosul, em tese, é uma união aduaneira (cujos sócios devem respeitar a tarifa externa comum), mas, na prática, sequer funciona como área de livre comércio (que eliminaria tarifas e cotas internas).
— Há uma situação complicada na Argentina, e o Brasil nada faz para evitar que os fundamentos do Mercosul sejam desrespeitados. O Mercosul está paralisado pela falta de vontade política dos países, sobretudo da Argentina. O fato de o Paraguai voltar e de a Venezuela ter novo governo pode não modificar isso. A Venezuela, por exemplo, terá de se voltar para a reconstrução interna e a afirmação de Maduro — afirma o ex-embaixador brasileiro Rubens Barbosa.
O ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia (no governo Fernando Henrique Cardoso) é ainda mais pessimista:
— O Mercosul, como foi concebido, acabou. Tem tino político, deixou de ser instrumento de integração.
Vinculado ao bloco sul-americano, o Brasil poderia, segundo os analistas, estar perdendo oportunidades de parcerias, com, por exemplo, a União Europeia. Por isso, o retorno do Paraguai seria importante.
É possível que ajude o Mercosul a se aproximar do bloco europeu, que quer um tratado de livre comércio, mas discorda da suspensão paraguaia. Os governos paraguaio e uruguaio, o "bloquinho", defendem essa aproximação.
Nas negociações, seriam rediscutidos temas como as barreiras sul-americanas a manufaturados europeus e a maior abertura aos produtos agrícolas do bloco sul-americano por parte dos europeus.
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